Perfis Femininos - Luiza Bairros

Chefa de negros livres
E a preta Zeferina
Exemplo de heroína
Aqualtune de Palmares
Soberana quilombola
E Felipa do Pará
Negra Ginga de Angola
África liberta
Em tuas trincheiras
Quantas anônimas
Guerreiras brasileiras”
(Miguel Lagdbá, “Anônimas Guerreiras Brasileiras”1 )
Nossa personagem da série especial Perfis Femininos faz parte de um conjunto de mulheres brasileiras que dedicaram sua trajetória pela emancipação e fortalecimento coletivo das “Anônimas guerreiras brasileiras”. Luiza Helena de Bairros, militante do Movimento Negro e da luta das Mulheres Negras, um dos grandes nomes do Brasil na luta contra o racismo e o sexismo irá nos inspirar com sua trajetória nessa exposição virtual que a Biblioteca Consuelo Pondé teve um enorme prazer em produzir. Iremos percorrer os caminhos trilhados por essa mulher negra gaúcha que desembarcou na Bahia na década de 1970, e que tanto contribuiu para que pudéssemos compreender as insidiosas estruturas do racismo no Brasil. Sempre pontuando que a questão racial não dizia respeito somente aos negros e negras, era uma questão nacional, Luiza foi uma daquelas intelectuais militantes que o movimento negro produziu e que forneceu um importante legado a ser estudado e sempre lembrado por todas/os nós. Como ela mesma dizia “a homenagem só é válida se cada uma e se cada um efetivamente incorporar aquilo que é o legado de quem está sendo homenageado”. Seguindo seus passos e mergulhando no seu legado, a série especial Perfis Femininos, traz um pouco da trajetória e produção daquela que, com certeza, faz parte do conjunto de ancestrais que nos guiam todos os dias!

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Acervo CULTNE DOC.
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Bloco racista, nota destoante Conduzindo cartazes onde se liam inscrições tais como: “Mundo Negro”, “Blak Power”, “Negros Para Você” etc, o bloco “Ile Aiyê” apelidado de “Bloco do Racismo” proporcionou um feio espetáculo neste carnaval. Além da imprópria exploração do tema e da imitação norte-americana, revelando uma enorme falta de imaginação, uma vez que em nosso país existe infinidade de motivos a serem explorados os integrantes do “Ile Ayiê” – todos de côr – chegaram até à gozação dos brancos e das demais pessoas que os observavara do palanque oficial. Pela própria proibição existente no País contra o racismo é de esperar que os integrantes do “Ile” voltem de outra maneira no próximo ano e usem em outra forma a natural liberação de instinto característica do Carnaval. Não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro. A harmonia que reina entre as parcelas da população provenientes das diferentes etnias constitui está claro um dos motivos de inconformidade dos agentes de irritação que [ilegível] que gostariam de somar aos propósitos da luta de classes o espetáculo da luta de raças. Mas isto no Brasil, eles não conseguem. E sempre que põem o rabo de fora denunciam a origem ideologica a que estão ligados. É muito difícil que aconteça diferentemente com estes mocinhos do “Ile Ayiê”. |
Jornal A Tarde, 13 de fev. de 1975, p.3. |
O ato público nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo em 7 de julho de 1978, que marcou o surgimento do Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial (MUCDR), que depois passou a se chamar Movimento Negro Unificado (MNU), trouxe um grande impacto para homens e mulheres negras que passaram a fazer parte de um movimento oriundo do acúmulo histórico de lutas negras no país. Depois de 1968, da instalação do AI-5, de toda a brutal repressão aos movimentos sociais que contestavam o regime militar no país, o ato promovido pelo Movimento Negro, foi o primeiro grande ato público que marcou uma retomada, ainda clandestina, dos movimentos sociais no Brasil.
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Jornal do MNU-Campinas, set/out de 1980, p.4. |
Nomes importantes do Movimento Negro contemporâneo fizeram parte da cena da política negra e intelectual brasileira, sendo fundamentais para pautar o grande silenciamento que havia – incluindo aí os seguimentos políticos que se consideravam progressistas e de esquerda – da questão racial para a formação de um país que se redemocratizava. A trajetória da nossa homenageada se cruza com esse processo de construção e sedimentação da agenda política negra no Brasil.
Em 1979, a jovem Luiza chega a Salvador. Foi apresentada à cidade por figuras de grande importância para o Movimento Negro baiano como “Jônatas Conceição da Silva, com quem se casou, Ana Célia da Silva, Vanda Sá Barreto, Luiz Orlando da Silva, Valdecir Nascimento”2, dentre outras pessoas “com quem compartilhou lutas e lugares como as reuniões do MNU, a Terça da Benção, o Bar do Tampinha, Ladeira do Curuzu e por aí vai.”3 Em entrevista a historiadora Silvana Bispo dos Santos, Luiza descreveu seu contato com a militância negra da seguinte forma:

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Jornal Mulherio, ano V, n° 22, jul/ago/set de 1985, p.14.

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Além da militância no MNU, Luiza desenvolveu atividades profissionais na Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado da Bahia, no gerenciamento dos Programas de Apoio ao Trabalhador Autônomo e integrando a equipe de pesquisa do Sistema Nacional de Emprego da Superintendência Baiana para o Trabalho (Sine-BA/Setre). Sua atuação nesses órgãos vai gerar pesquisas importantíssimas para a compreensão das relações raciais e de gênero nos mundo do trabalho na Bahia. A partir de meados da década de 1980, em contato com esses dados e partindo de uma sofisticada interpretação fruto da militância, Luiza, desenvolveu pesquisa de Mestrado em Ciências Sociais na UFBA, tratando justamente da participação do negro na força de trabalho na região metropolitana de Salvador entre os anos de 1950 e 1980. No artigo publicado na coletânea “Escravidão e Invenção da Liberdade: estudos sobre o negro no Brasil”, organizada pelo historiador João José Reis, que foi seu orientador de mestrado, ela traz parte de sua pesquisa com dados cruciais para compreendermos:
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Jornal Mulherio, ano VIII, n° 38, mar de 1988, p. 9. |
A partir de 1988, – ano em que o movimento negro no Brasil disputa de maneira magistral as narrativas em torno do centenário da Abolição – o corpo da militância negra baiana passa a contar com nomes como Edson Cardoso, Lindinalva Barbosa, Silvany Euclênio, Valdélio Silva, Landê Onawalê, Ângela Gomes, Ivana e Iêda Leal, Luiz Alberto, dentre outros/as. Com o estreitamento de laços com militantes de outros estados, Luiza será eleita a primeira coordenadora nacional do MNU em 1991, a entidade até então contava com uma Comissão Executiva Nacional. Sob sua gestão, a entidade que já vinha pautando o debate sobre o feminismo e a condição das mulheres negras desde o início dos anos 1980, com mulheres como Lélia de Almeida Gonzalez que dizia – como destacou Luiza Bairros no artigo “Lembrando Lélia Gonzalez” – que “negro tem que ter nome e sobrenome, senão os brancos arranjam um apelido... ao gosto deles”, passa a pautar com mais contundência e atuação de base o combate combinado contra o racismo e o sexismo. O acúmulo dessas experiências de luta irá resultar na realização do I Encontro Nacional de Mulheres Negras do MNU, em 1992, na cidade de Recife.

Jornal Nêgo, n° 14, abril de 1988, p. 11.


Revista MNU, n° 4, jul/ago de 1981. p. 5.
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Tribuna da Imprensa (RJ), 20 de nov. de 1995, p. 1. |
A Marcha Zumbi dos Palmares: contra o racismo, pela cidadania e a vida, que em 1995 celebrou o tricentenário da morte de Zumbi, através de um grande ato em Brasília, contou, também, com a participação de Luiza Bairros, que mesmo afastada, veio ao Brasil para participar do ato.
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Tribuna da Imprensa (RJ), 20 de nov. de 1995, p. 2. |
Jornal Ìrohìn, ano IX, n° 7, out/nov. de 2004, p. 6. |

Documentário produzido pela Organização da Marcha Zumbi dos Palmares - 1995
realizada em Brasília em alusão aos 300 anos da morte de Zumbi.
Após o retorno dos Estados Unidos, Luiza passou a integrar em 1998, o Centro de Estudo e Pesquisas em Humanidades (CRH) da UFBA onde articulou importantes seminários internacionais em Salvador no ano 2000 e em Sacramento na Califórnia em 2001. Ela bancou uma relação entre a militância e a intelectualidade fundamentais para a produção e sedimentação de uma agenda política que incluísse a questão negra como uma questão nacional.

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Jornal Ìrohìn, nº 4-5, jan/jun de 1999, p.09.
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Capa do Jornal Ìrohìn, ano IX, n° 7, out/nov. de 2004. |
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Jornal Ìrohìn, nº6 de ago/set de 2004 p. 08. |
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Correio Braziliense, 4 de jan. de 2011, p. 09. |
Luiza Bairros, presente!!

NOTAS
2 PINTO; FREITAS, 2017, p. 227.
3 Ibidem.
4 Depoimento de Luiza Bairros em; BISPO, Silvana Santos. Feminismos em debate: reflexões sobre a organização do movimento de mulheres negras em Salvador (1978-1977). (Dissertação de Mestrado). NEIM/ UFBA, 2011. p. 148.
5 PINTO; FREITAS, 2017, p. 239.
6 BAIRROS, Luiza Helena.“Pecados no ‘paraíso racial’: o negro na força de trabalho da Bahia, 1950 -1980”. In: João José Reis (org.). Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1988, (289-323). p. 289.
7 Trecho da entrevista de Luiza Bairros ao Jornal do MNU, n. 20 (1991) p. 11, disponível em PINTO; FREITAS , 2017, p. 244.
8 Fala de Luiza Bairros na manifestação contida no documento organizado pela Executiva Nacional da Marcha, coordenada por Edson Cardoso. Disponível em PINTO; FREITAS, 2017, p. 249.
REFERÊNCIAS DAS IMAGENS
Imagem 2: “Luiza Bairros visita os sobrinhos na casa da família no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, em 1982.” Fotografia disponível em: https://acervo.racismoambiental.net.br/2015/01/18/havia-quem-me-indicasse-o-elevador-de-servico-lembra-ex-ministra-negra-de-epoca-em-que-viveu-no-rs/
Imagem 3: Foto disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/noticias/nota-de-pesar-pelo-falecimento-da-ex-ministra-da-igualdade-racial-luiza-bairros
Imagem 4: Foto disponível em: https://www.geledes.org.br/luiza-bairros-1953-2016/
Imagem 5: Foto disponível em: http://www.brasil.gov.br/centro-aberto-de-midia/imagens/seppir-lanca-disque-racismo
Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro: Jornal do MNU – Campinas, set/out. / Jornal Nêgo, nº 14, abril de 1988, p.11.
Centro de Memória do Estado da Bahia: Jornal A Tarde, 13 de fev. de 1975.
Acervo Ìrohin: Jornal Ìrohin, ano IX, nº 7, out/nov, de 2004, p.06 / Jornal Ìrohin, nº 4-5, jan/jun de 1999, p.09 / Capa do Jornal Ìrohin, nº 06 de ago/set de 2004, p.08 .
______. “Lembrando Lélia Gonzalez”. Afro-Ásia, n.23. Salvador, Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA, 2000. Pp. 347-368.
______. “Nossos feminismos revisitados”. Estudos Feministas, v.3, n.2. Florianópolis, Universidade de Santa Catarina, 1995, pp. 458-463.
BISPO, Silvana Santos. Feminismos em debate: reflexões sobre a organização do movimento de mulheres negras em Salvador (1978-1977). (Dissertação de Mestrado). NEIM/ UFBA, 2011.
PEREIRA, Amilcar A. O mundo negro: relações raciais e a constituição do movimento negro contemporâneo no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2013.
PINTO, Ana Flávia Magalhães; FREITAS, Felipe da Silva. Luiza bairros, uma “bem lembrada” entre nós 1953-2016. In: Afro-Ásia, núm. 55, 2017, pp. 216-256.