Registros de um tempo: comunidade Rio dos Macacos (fotografias)
Jessica Lemos1 |
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“Só saio daqui depois de morrer”, afirmou Dona Luíza, de 99 anos, no período em que seu quilombo lutava judicialmente para permanecer nas terras de seus ancestrais. Foi através dela e das matriarcas, mulheres quase centenárias do Quilombo Rio dos Macacos, que a fotógrafa Jessica Lemos em parceria com o fotógrafo Vinicius Carvalho, conduziram seu olhar imagético.
O Quilombo Rio dos Macacos fica localizado em Simões Filho. É uma comunidade negra, rural, composta por cerca de quarenta famílias descendentes de escravos e cuja história remonta mais de um século de existência.
Durante o ano de 2012, os fotógrafos acompanharam uma fase de intensa disputa de terras entre a Marinha do Brasil e a comunidade quilombola. Nesse período, o olhar fotográfico esteve atrelado à luta política do quilombo, essa união foi o que fez dessas imagens um grito de afirmação. Diante desse cenário, as fotos produzidas trazem os moradores do quilombo em frente a suas casas, como guardiões daquele lugar, de sua tradição e de sua história de vida.
Os costumes e os relatos dos habitantes da Comunidade do Quilombo Rio dos Macacos demonstram que a ocupação conta com mais de um século de existência. Esta área, ocupada tradicionalmente pela comunidade, pertencia, oficialmente, a Coriolano Bahia, que se apresentava como proprietário da “Fazenda Macacos”, local onde funcionava uma usina de açúcar. Os posseiros tradicionais afirmam que seus pais trabalharam nessa fazenda e que Coriolano havia prometido doar glebas de terras como indenizações aos trabalhadores que há muito já ocupavam a área.
Mesmo sem a formalização da doação das terras, a comunidade negra que habitava a região continuou extraindo dali o seu sustento, com a prática da agricultura e da pecuária. Como dito antes, o Senhor Coriolano havia prometido doar glebas de terras aos trabalhadores como forma de pagamento pelo tempo de serviço. Entretanto, antes de dar cumprimento à promessa e formalizar a doação aos remanescentes de escravos, o Senhor Coriolano contraiu dívidas tributárias, o que levou o Estado da Bahia a expropriar parte do terreno. O documento firmado entre o fazendeiro e a então Prefeitura de Salvador, datado de 1916, menciona a presença dos posseiros tradicionais. No entanto, no processo de doações, esse fato não foi levado em consideração, e a comunidade não teve seus direitos sobre a terra reconhecidos.
Mais tarde, já em 1960, a Prefeitura de Salvador doou a Fazenda Macacos para a Marinha do Brasil, sem considerar a comunidade quilombola que habitava o local. Em 1971, iniciou-se a construção da atual Base Naval de Aratu. Mas depois de certo tempo, começou uma luta política e judicial entre os quilombolas e a Marinha do Brasil, que tentou desapropriar os posseiros, os quais viveram durante muitos anos com uma série de restrições, como construir novas casas ou reformar as antigas, e até mesmo a agricultura local foi proibida e o acesso ao rio foi limitado.
A Fundação Cultural Palmares já registrou e certificou a declaração de auto definição da Comunidade de Rio dos Macacos como remanescente de quilombo. Em 2015 as terras foram demarcadas e a comunidade já tem um título legítimo de apropriação do local.
Nota do editor sobre a situação atual:
Uma das principais vitórias para a comunidade foi o reconhecimento da área, estipulada em 301 hectares. Destes, 104 foram destinados para a titulação de posse da comunidade, por meio da portaria 623 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 18 de novembro de 2015, publicada no Diário Oficial da União. Consta no site do INCRA o processo aberto em 2011, sob nº 54160.003162/2011-57 (atualizado em: 26/09/2016 e consultado em 15/11/2016). Segundo o processo, a área de 301,3695 hectares foi identificada e reconhecida como área quilombola, mas apenas 104,0806 ha foram regularizados, totalizando cerca de 67 famílias atendidas. Mesmo com a regularização de uma parcela da área, o conflito entre a Marinha e a Comunidade se mantém acirrado, apenas pouco mais de um terço do total das terras foi destinado à comunidade, inclusive deixando-a sem acesso ao rio, importante fonte de renda e trabalho. De acordo com uma das lideranças da comunidade, Rosimeire Messias: “Esse reconhecimento é importante, mas há uma preocupação, pois a área que ficou com a gente não tem acesso à água. Além disso, precisamos da construção de duas vias de acesso que foram prometidas pelo Ministério da Defesa desde agosto de 2014″.
Fontes:
INCRA-DFQ (Quadro Geral do andamento de processos) atualizado em SET/2016 http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-andamentoprocessos-quilombolas_quadrogeral.pdf
Comissão Pastoral da Terra – Regional Bahia; http://cptba.org.br/cptba_v2/rio-dos-macacos-conquista-avancos-na-questao-fundiaria/





1Fotógrafa e jornalista, formada pela UFBA. Nasceu em Vitória da Conquista, mas foi em Salvador que começou a caminhar no mundo da fotografia. Pesquisa as relações de gênero em comunidades tradicionais: a partir dessa temática desenvolve seus trabalhos artísticos e acadêmicos.
O Quilombo Rio dos Macacos fica localizado em Simões Filho. É uma comunidade negra, rural, composta por cerca de quarenta famílias descendentes de escravos e cuja história remonta mais de um século de existência.
Durante o ano de 2012, os fotógrafos acompanharam uma fase de intensa disputa de terras entre a Marinha do Brasil e a comunidade quilombola. Nesse período, o olhar fotográfico esteve atrelado à luta política do quilombo, essa união foi o que fez dessas imagens um grito de afirmação. Diante desse cenário, as fotos produzidas trazem os moradores do quilombo em frente a suas casas, como guardiões daquele lugar, de sua tradição e de sua história de vida.
História
Os costumes e os relatos dos habitantes da Comunidade do Quilombo Rio dos Macacos demonstram que a ocupação conta com mais de um século de existência. Esta área, ocupada tradicionalmente pela comunidade, pertencia, oficialmente, a Coriolano Bahia, que se apresentava como proprietário da “Fazenda Macacos”, local onde funcionava uma usina de açúcar. Os posseiros tradicionais afirmam que seus pais trabalharam nessa fazenda e que Coriolano havia prometido doar glebas de terras como indenizações aos trabalhadores que há muito já ocupavam a área.
Mesmo sem a formalização da doação das terras, a comunidade negra que habitava a região continuou extraindo dali o seu sustento, com a prática da agricultura e da pecuária. Como dito antes, o Senhor Coriolano havia prometido doar glebas de terras aos trabalhadores como forma de pagamento pelo tempo de serviço. Entretanto, antes de dar cumprimento à promessa e formalizar a doação aos remanescentes de escravos, o Senhor Coriolano contraiu dívidas tributárias, o que levou o Estado da Bahia a expropriar parte do terreno. O documento firmado entre o fazendeiro e a então Prefeitura de Salvador, datado de 1916, menciona a presença dos posseiros tradicionais. No entanto, no processo de doações, esse fato não foi levado em consideração, e a comunidade não teve seus direitos sobre a terra reconhecidos.
Mais tarde, já em 1960, a Prefeitura de Salvador doou a Fazenda Macacos para a Marinha do Brasil, sem considerar a comunidade quilombola que habitava o local. Em 1971, iniciou-se a construção da atual Base Naval de Aratu. Mas depois de certo tempo, começou uma luta política e judicial entre os quilombolas e a Marinha do Brasil, que tentou desapropriar os posseiros, os quais viveram durante muitos anos com uma série de restrições, como construir novas casas ou reformar as antigas, e até mesmo a agricultura local foi proibida e o acesso ao rio foi limitado.
A Fundação Cultural Palmares já registrou e certificou a declaração de auto definição da Comunidade de Rio dos Macacos como remanescente de quilombo. Em 2015 as terras foram demarcadas e a comunidade já tem um título legítimo de apropriação do local.
Nota do editor sobre a situação atual:
Uma das principais vitórias para a comunidade foi o reconhecimento da área, estipulada em 301 hectares. Destes, 104 foram destinados para a titulação de posse da comunidade, por meio da portaria 623 do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 18 de novembro de 2015, publicada no Diário Oficial da União. Consta no site do INCRA o processo aberto em 2011, sob nº 54160.003162/2011-57 (atualizado em: 26/09/2016 e consultado em 15/11/2016). Segundo o processo, a área de 301,3695 hectares foi identificada e reconhecida como área quilombola, mas apenas 104,0806 ha foram regularizados, totalizando cerca de 67 famílias atendidas. Mesmo com a regularização de uma parcela da área, o conflito entre a Marinha e a Comunidade se mantém acirrado, apenas pouco mais de um terço do total das terras foi destinado à comunidade, inclusive deixando-a sem acesso ao rio, importante fonte de renda e trabalho. De acordo com uma das lideranças da comunidade, Rosimeire Messias: “Esse reconhecimento é importante, mas há uma preocupação, pois a área que ficou com a gente não tem acesso à água. Além disso, precisamos da construção de duas vias de acesso que foram prometidas pelo Ministério da Defesa desde agosto de 2014″.
Fontes:
INCRA-DFQ (Quadro Geral do andamento de processos) atualizado em SET/2016 http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-andamentoprocessos-quilombolas_quadrogeral.pdf
Comissão Pastoral da Terra – Regional Bahia; http://cptba.org.br/cptba_v2/rio-dos-macacos-conquista-avancos-na-questao-fundiaria/






