Lugar de quilombola também é na universidade: comunidade quilombola de Tomé Nunes

 

Amilton Santos

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O presente relato tem por objetivo evidenciar como os jovens da comunidade quilombola Tomé Nunes têm se apropriado dos espaços acadêmicos, mediante as políticas de ações afirmativas.

A referida comunidade quilombola fica localizada no município de Malhada/BA, à margem direita do Rio São Francisco, conforme se vê no mapa abaixo.


As famílias que hoje formam essa comunidade descendem de africanos escravizados que fugiram da região onde atualmente é localizado o quilombo Pau D’Arco/Parateca, no mesmo município. O deslocamento destas famílias se deu principalmente em função da existência de conflitos com fazendeiros locais. Esta região é fortemente marcada, há mais de cem anos, por conflitos pela posse da terra entre populações tradicionais e fazendeiros, supostos proprietários. Hoje a comunidade quilombola Tomé Nunes constitui-se de 100 famílias e aproximadamente 300 pessoas.

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Durante muito tempo, diante da dura realidade enfrentada no quilombo, sem oportunidade de conseguir trabalho após concluir o Ensino Médio, os/as jovens da comunidade costumavam migrar em direção aos grandes centros urbanos em busca de novas oportunidades. A migração em massa dos jovens do quilombo se deu para a capital mineira, Belo Horizonte, onde serviriam de mão de obra nas grandes construções civis, no caso dos homens, ou como empregadas domésticas, no caso das mulheres. Para visualizar a dimensão deste processo migratório da juventude quilombola, destacamos que atualmente o bairro periférico chamado Taguari, concentra um grande número de pessoas do quilombo

Tomé Nunes, sendo uma referência da comunidade na capital mineira.

Essa migração em massa era danosa para o quilombo, visto que distanciava os jovens de suas tradições e dos seus familiares, forçando-os a construírem outros tipos de relações sociais e culturais. Notamos ainda um prejuízo significativo para as tradições do quilombo, pois o processo de socialização da cultura local era interrompido com a saída destes jovens, de modo que as tradições foram se tornando mais frágeis a ponto de algumas correrem o risco de deixar de existir, com a morte de pessoas idosas.

Porém, essa realidade começou a mudar a partir do ano de 2005, quando a antiga Escola Agrotécnica Federal Antônio José Teixeira, atual Instituto Federal Baiano – Campus Guanambi (IFBAIANO), localizado a 150 km do quilombo, passa a adotar uma forma diferenciada de acesso aos cursos. Os alunos, para terem direito de estudar na Escola Agrotécnica, teriam que se submeter a uma prova objetiva, que se dividia em duas grandes áreas de conhecimento, ensino fundamental/médio e conhecimentos técnicos. Porém, os conhecimentos técnicos tinham um peso maior, o que facilitava a entrada de pessoas oriundas da zona rural, devido ao fato de as questões serem relacionadas ao cotidiano da vida no campo

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Com esta nova oportunidade, os jovens do quilombo Tomé Nunes viram ali uma chance de fugir do “destino” de ser mão de obra barata em Belo Horizonte, além de conseguirem uma formação técnica em Agropecuária que lhes abriria novas possibilidades de trabalho e geração de renda. Atrelado a isto, garantia ainda a possibilidade de se manterem mais próximos da comunidade e de seus familiares.

Em 2005, os primeiros jovens de Tomé Nunes ingressam na Escola Agrotécnica, tornando-se assim, uma motivação para que outros quilombolas adentrassem naquele espaço. A trajetória escolar destes primeiros jovens, com ingresso, permanência e êxito no curso técnico, foi de fundamental importância para a mudança de perspectiva dos demais, diminuindo assim, os quantitativos de migração para o estado de Minas Gerais.

Terminado o curso técnico, esses egressos foram diretamente vinculados ao mercado de trabalho na região Oeste da Bahia, onde, além de obterem melhores salários, tinham possibilidade de ascensão profissional dentro das empresas onde atuavam. Vinculados ao mercado de trabalho, eles tinham poder de compra e consequentemente, aqueceram a economia dentro do quilombo, estimulando outros jovens a trilharem o mesmo caminho.

O percentual de estudantes do quilombo no atual Instituto Federal Baiano, campus Guanambi, veio aumentando ao longo dos tempos e se ampliou de forma significativa depois da política de cotas implantada pelo Governo Federal. Nas imagens abaixo (figuras 02 e 03), podem ser observados novos ingressos do quilombo em aulas práticas no instituto Federal Baiano.

A entrada desses jovens no Instituto, e posteriormente sua inserção no mercado de trabalho, tem sido de grande importância para o quilombo, não só pelo fato de ser uma alternativa aos subempregos, mas pela significativa melhoria na qualidade de vida e aquisição de bens (moto, carro, casa, lotes, entre outras), além de proporcionarem um aquecimento da economia do quilombo.

 

 Juventude quilombola e o ensino superior 0

As políticas de Ações Afirmativas do governo federal oportunizaram o ingresso da juventude negra nas universidades federais, espaço antes dominado pelos jovens da elite brasileira. As cotas raciais e, posteriormente, a reserva de vagas para remanescentes de quilombos, possibilitaram aos jovens do quilombo Tomé Nunes a ocupação desse espaço acadêmico. Além disto, o fato de terem feito um curso técnico em uma escola federal, “abriu as portas” para o Ensino Superior.

No ano de 2011, fui o primeiro estudante do quilombo a ingressar em uma universidade federal, no curso de Ciências Biológicas, na Federal do Oeste da Bahia (UFOB). Atualmente já há outros quilombolas cursando, e até mesmo concluindo o Ensino Superior em faculdades particulares e comunitárias, alguns também mediante as políticas de ação afirmativa, como é o caso de um estudante do curso de Bacharel em Direito na Faculdade Zumbi dos Palmares em São Paulo.

Percebendo a importância do conhecimento acadêmico para a comunidade, os jovens pioneiros no ingresso à Universidade, realizam uma roda de conversa com a juventude dentro do quilombo, tendo como objetivo a socialização das experiências vividas na Universidade, destacando a importância de fazer uma graduação e estimulando para que pudessem ocupar esses espaços e para que mais pessoas do quilombo acessassem as universidades.

Nessa roda de conversa tinha-se como propósito apresentar as políticas de assistência estudantil adotadas pelas universidades, visando à permanência dos estudantes negros e quilombolas. Este enfoque foi feito por se notar que o principal obstáculo apontado pelos estudantes era justamente o fato de não terem condições financeiras de se manter durante o curso de graduação.

Todavia, os esforços para estimular a juventude têm conseguido êxito, haja vista que atualmente já se verifica um crescente número de jovens do quilombo Tomé Nunes nas universidades. Só no ano de 2016, três jovens ingressaram em universidades federais e um no Instituto Federal Baiano.

Considerações Finais

Diante do exposto, notamos que as políticas de Ações afirmativas do governo federal têm se configurado não apenas como uma mudança de perspectiva para jovens, mas também para toda a comunidade, uma vez que os jovens saindo dos cursos técnicos no Ifbaiano logo se inserem no mercado de trabalho e colaboram para a melhoria da qualidade vida de sua família e da comunidade como um todo. Os conhecimentos adquiridos no âmbito do curso de Técnico em Agropecuária também servem de suporte para a melhoria dos meios de produção da comunidade, que vive basicamente da agricultura familiar.

Mesmo ainda não trazendo efeitos do ponto de vista financeiro, o ingresso dos jovens nas universidades também vem sendo evidenciado e comemorado dentro do quilombo. Esses jovens já começam a se destacar como lideranças locais no que se refere à luta por direitos fundamentais da comunidade, além de servirem de exemplos para as gerações futuras.

É importante destacar ainda que a manutenção destes jovens na região tem sido fundamental para a preservação e difusão da cultura quilombola. Alguns têm desenvolvido pesquisas sobre a comunidade, seus saberes, sua cultura, suas tradições e têm demarcado politicamente a presença quilombola nos espaços acadêmicos. 


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